O objetivo da educação é a virtude e o desejo de converter-se num bom cidadão.
(Platão)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Alfabetização: conceitos e pressupostos

As crianças constroem o conhecimento a partir das interações que estabelecem com
as outras pessoas e com o meio em que vivem. O conhecimento não se constitui em
cópia da realidade, mas sim, fruto de um intenso trabalho de criação,
significação e ressignificação. (Referencial Curricular Nacional para Educação
Infantil, 1998. p.21).


O Artigo 26 da “Declaração Universal dos Direitos Humanos” (1948), atesta acerca do Direito à Educação: “Todo indivíduo tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, ao menos no que se refere ao ensino elementar e fundamental. O ensino elementar é obrigatório”.
Nesta perspectiva, ensinar a ler e escrever é das mais importantes funções da escola desde sempre, contudo, é um enorme desafio cercado de diferentes métodos, materiais didáticos, teorias e controvérsias. Um dos objetivos principais da educação é formar sujeitos capazes de lidar competentemente com as situações sociais que envolvem a escrita e a leitura, porém, essa meta é cercada de um sem fim de variáveis devendo ser consideradas, e que diz respeito à individualidade e particularidade de cada indivíduo que passa por esse instrumento formal de educação que é a escola.
Verificamos por meio dos estudos bibliográficos realizados nessa pesquisa que a história da alfabetização no Brasil começa a ser mais visível a partir do momento em que começam a tomar formas os métodos de alfabetização por volta do final do século XIX, que surgem a fim de explicar e atender o problema da dificuldade das crianças em aprender a ler e a escrever.
Essa história de dificuldades tem início desde o Estado Republicano, momento em que a escola se consolida como lugar institucionalizado para preparar as novas gerações, pautado pela necessidade de instauração de uma nova ordem política e social. Essa universalização da escola assumiu o importante papel de instrumento de modernização e progresso, tornando-se acessível à grande massa iletrada e desde então, inicia-se o processo sistemático de escolarização das práticas de leitura e escrita de uma escola obrigatória, leiga e gratuita e objeto de ensino e aprendizagem escolarizados. As práticas de leitura e escrita, de um ensino organizado, sistemático e intencional passa a exigir a preparação de profissionais especializados, que são a peça chave para articular as promessas de ação da escola na formação do cidadão como requer e institui o Estado (MORTATTI, 2009).
A partir desse momento, temos o início de diversos métodos que são introduzidos a fim de auxiliar o professor na tarefa de alfabetizar seus alunos, ficando conhecido como método tradicional, e perdurou por mais de cem anos e ainda hoje tem seus recursos e fundamentos utilizados por muitos professores.
Conforme Mortatti (2009), tal método é caracterizado pela utilização: do método sintético (da "parte" para o "todo"); da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das sílabas. Em que, deveria se iniciar o ensino da leitura com a apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético), ou de seus sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método da silabação), sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade e só então, ensinar a ler palavras formadas com essas letras, sons ou sílabas, e por fim, ensinar frases isoladas ou agrupadas (textos). Enquanto à escrita se restringia à caligrafia e ortografia, e seu ensino era baseado no treinamento, por meio de cópia, ditados e formação de frases, enfatizando o desenho correto das letras. E é a partir desse movimento que surgem as cartilhas, justamente com o intuito de sistematização do ensino.
Ainda nesse momento que se convencionou chamar de tradicional, surge o método analítico, em que o ensino da leitura deveria ser iniciado pelo “todo”, para depois se proceder à análise de suas partes constitutivas. Porém o ensino inicial da escrita continuava sendo a questão da caligrafia só que as discussões giravam em torno de que tipo de letra deveria ser usada: manuscrita ou de imprensa; maiúscula ou minúscula, o que demandava especialmente treino, por meio de exercícios de cópia e ditado.
Com o avanço dos estudos da psicologia experimental na área da alfabetização, inicia-se um movimento a fim de medir a maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita e classificar os alunos, visando à organização de classes homogêneas e à racionalização e eficácia da alfabetização, trazendo à tona a importância do desenvolvimento de habilidades visuais, auditivas e motoras. Para tanto, o proposto era a união dos métodos analítico e sintético, que se convencionou chamar de método misto ou eclético. Contudo, a escrita continuou sendo uma questão de habilidade de caligrafia e ortografia, que deveria ser ensinada simultaneamente à habilidade de leitura, esta consistindo em exercícios de discriminação e coordenação viso-motora e auditivo-motora, preocupando-se inclusive com a posição de corpo e membros (MORTATTI, 2009).
Na década de 80, surge o pensamento construtivista, baseado nos estudos de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky sobre a Psicogênese da Língua Escrita, que apesar de não ser um método, foi entendido e incorporado por muitos professores como tal. Esse pensamento volta o foco da alfabetização para o aluno, pois o entende como sujeito cognoscente, ou seja, produtor de conhecimento, assim levanta questões a respeito do sujeito que aprende e de que maneira ele aprende.
Nesse movimento, destaca-se que a compreensão da língua escrita implica na construção de um sistema convencional, apoiado nos pressupostos piagetianos, porém repleto de impossibilidades, conforme explica Macedo (1991, p.46 apud COLELLO, 2004, p. 38):


Alfabetizar-se é construir um sistema graças ao qual podem-se combinar letras de diferentes modos, produzindo sílabas, palavras, sentenças ou períodos. Esse sistema é composto por estruturas de relações semânticas, sintáticas, morfológicas, graças às quais pode-se construir um real simbólico socialmente compartilhável, por um jogo de correspondências e transformações no nível de seus significantes e significados. Trata-se de um real porque nele vivem juntos objetos (letras, palavras, frases etc.) dispostos em um espaço (da palavra com relação às letras; da frase com relação às palavras; do período com relação às frases, etc.) cujas relações determinam um jogo de transformações (causalidade) temporalmente determinadas. Real este que (...) organiza-se segundo as modalidades do possível, necessário e contingencial.
Alfabetizar-se é também, construir um sistema de impossibilidades de combinações (exclusões) no espaço e no tempo, entre letras, palavras ou frases, e estas impossibilidades geram contradições. Em outros termos, deve-se saber o que precisa ser excluído, o que não pode ser feito por oposição ao que precisa sê-lo.


Sendo assim, podemos dizer que são nas experiências culturais com práticas de leituras e escrita, muitas vezes mediadas pela oralidade, que as crianças vão se constituindo como sujeitos letrados e vão sendo alfabetizadas.
Baseada nos estudos de Ferreiro e Teberosky (1990), no que tange à aprendizagem da língua escrita, Sarraf (2003) afirma que, além de construir e reconstruir hipóteses sobre a língua escrita e de escrever alfabeticamente, a criança aprende também as funções sociais da escrita e o modo como os textos se organizam.
Nota-se com esse levantamento a respeito da história da alfabetização, que em nenhum momento cessam as pesquisas no campo da educação e que novas sugestões e possibilidades surgem a todo o momento de diversas áreas do conhecimento. Isso se dá porque a sociedade vive em constante evolução e a escola precisa acompanhar também esses momentos, bem como lidar com sua situação que já é de defasagem, aspecto esse que é constado em diversas pesquisas de avaliação do ensino.
Logo, a preocupação com a alfabetização é cada vez mais latente na sociedade, principalmente, porque atualmente existem muitas avaliações de ordem Municipal, Estadual, Federal e Mundial, que nos levam a perceber o fracasso escolar e isso traz consigo discussões: teóricas, práticas, sociais e, sobretudo, políticas.
É nesse movimento de superação do fracasso escolar que passam a surgir novas propostas a fim de melhorar a qualidade do ensino e prolongar o tempo fundamental e obrigatório de escolarização. Dessa maneira, pode-se destacar uma das mais recentes alterações na legislação do Ensino Fundamental do Brasil, que tem gerado muitas discussões, pois amplia em um ano a escolarização obrigatória. Conforme o PNE (Plano Nacional de Educação), a partir de 2010, com a nova lei nº 10.172/2001, deve ser implantado o Ensino Fundamental de nove anos, pela inclusão das crianças de seis anos de idade, que tem duas intenções: “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade”.
No entanto, as crianças a partir dos seis anos estão numa fase de transição muito importante e possuem demandas que precisam ser consideradas, como o direito de brincar, de criar e de se expressar, de se relacionar e de construir uma alta auto-estima. Além do direito de vivenciar, no ambiente escolar, experiências que lhe permitam se aproximar dos saberes construídos socialmente.
Percebe-se hoje uma forte tendência dos estudos na área da educação a fim de considerar os aspectos físicos, afetivos, cognitivo-lingüísticos e sociais da criança, mas os professores ainda sentem dificuldade em trazer muitos desses conceitos para sua prática.
Nesse sentido, podem ser observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1999), que fornecem elementos importantes para a revisão da Proposta Pedagógica do Ensino Fundamental, incorporando agora as crianças de 6 anos de idade. Questões essas que não devem ser entendidas a nosso ver apenas para crianças dessa faixa etária, mas que podem sim ser incorporadas e asseguradas durante todo o Ensino Fundamental I.
Num breve resumo dos aspectos sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais destacamos que:
• As propostas pedagógicas devem considerar os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo-lingüísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser total, completo e indivisível.
• Devem buscar a integração entre diversas áreas do conhecimento e aspectos da vida cidadã como conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores.
• As múltiplas formas de diálogo e interação são o eixo de todo o trabalho pedagógico. Assim, o papel do professor é o de “provocar”, brincar, rir, apoiar, acolher, estabelecer limites, observar, estimular e desafiar a curiosidade e a criatividade. É sua função envolver-se com cada aluno, reconhecendo suas conquistas individuais e as coletivas, sobretudo as que promovam a autonomia, a responsabilidade e a solidariedade.
• Cabe à escola e aos professores elaborar uma proposta pedagógica que contemple a organização do espaço e do tempo na escola, os materiais necessários e as parcerias com a família de cada criança.
Com isso, surge um novo momento das escolas brasileiras, que deve ser pensado, refletido, entendido e só então incorporado, para que os resultados sejam positivos, no sentido de qualidade do ensino, para tanto, os professores precisam ser capacitados e as condições estruturais precisam ser oferecidas às escolas.
Frente a esses aspectos do processo de alfabetização que vivemos atualmente, destacamos alguns teóricos e autores, que contribuíram para o desenvolvimento desse trabalho, assim como nortearam nossa prática durante os testes e intervenções propostas nesse estudo experimental.

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