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(Platão)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Contribuições de Vygostsky sobre a Psicomotricidade no Processo de Alfabetização

Nasceu na Bielorrússia em 17 de novembro de 1896 e faleceu de tuberculose em 11 de junho de 1934. Formou-se primeiramente em Direito, estudou Literatura e História e como tese de doutorado defendeu a psicologia da arte. Porém devido à época turbulenta da Revolução Russa de 1917, que vivera, sentiu necessidade em elaborar novos estudos na área da Psicologia, por conta de uma nova sociedade que se criava devido a essa revolução. Utilizou-se para tanto do materialismo marxista, pois para ele todos os aspectos da vida do homem são condicionados pelo modo de produção em que está inserido.
Em sua época teve destaque em enumeras críticas literárias e análises sobre o histórico e os aspectos psicológicos das obras de arte, além de ter sido professor de psicologia. Diante desse grande interesse pela área, Vygotsky leu a produção teórica de sua época, constituída pela obra de Piaget e das teorias da psicanálise, da gestal e do behaviorismo.
A escola de Vygotsky, também chamada de teoria histórico-cultural, coloca que o homem é um ser de natureza social e, portanto o desenvolvimento intelectual da criança ocorre em função das interações sociais. Nas palavras de Mello (2004, p.139) a respeito disso:


[...] o homem é um ser social não porque ele viva ou goste de viver em grupo, mas porque, sem a sociedade, sem os outros com quem aprender a ser um ser humano, o homem não se torna humano com inteligência, personalidade e consciência.
Nesse sentido, Vygotsky estudou a filogenia, a ontogenia, a sociogenia e a microgenia para se aprofundar em seus estudos sobre o desenvolvimento humano, ou seja, tanto a da história da espécie como a do organismo individual da espécie respectivamente. A teoria histórico-cultural:


[...] supera a concepção de que a criança traz, ao nascer, o conjunto de aptidões e capacidades – que vai apresentar quando adulta – dadas como potencialidades que ela vai desenvolver mais ou desenvolver menos à medida que cresce e de acordo com o meio em que vive, mas sempre dentro do conjunto de possibilidades que tem no nascimento. Para a teoria histórico-cultural, a criança nasce com uma única potencialidade, a potencialidade para aprender potencialidades; com uma única aptidão, a aptidão para aprender aptidões; com uma única capacidade, a capacidade ilimitada de aprender e, nesse processo, desenvolver sua inteligência – que se constitui mediante a linguagem oral, a atenção, a memória, o pensamento, o controle da própria conduta, a linguagem escrita, o desenho, o cálculo – e sua personalidade – a auto-estima, os valores morais e éticos, a afetividade. Em outras palavras o ser humano não nasce humano, mas aprende a ser humano com as outras pessoas – com as gerações adultas e com as crianças mais velhas – com as situações que vive, no momento histórico em que vive e com a cultura a que tem acesso. O ser humano é, pois, um ser histórico-cultural. (MELLO, 2004, p.136).


Na perspectiva sociointeracionista de Vygotsky a cultura torna-se parte da natureza humana; o organismo e o meio determinam-se mutuamente de acordo com os pressupostos do materialismo-dialético, ou seja, o biológico e o social não estão separados, mas exercem influência entre si. Diante disso, a perspectiva vygotskyana assegura que o homem constitui-se como tal por meio das interações humanas (MELLO, 2004).
O homem transforma e é transformado no processo de construção das relações com a cultura, sendo uma relação dialética com o mundo que possibilita que o sujeito se desenvolva e se constitua. O ser humano não é apenas o resultado das relações de seu círculo social, mas também protagonista da construção dessas relações (MELLO, 2004). Com isso é fato afirmar que o homem precisa do meio social para se desenvolver e sendo um personagem ativo utiliza-se de sua função motora.
Quanto à psicomotricidade, o pesquisador russo não trata especificamente sobre esse tema, mas ficam nítidos em sua obra todos os aspectos do desenvolvimento psicomotor. Em se tratando das funções psíquicas superiores, as tipicamente pertencentes ao psicológico humano, por se diferenciarem dos reflexos e de outras funções mais primárias como a atenção voluntária, controle de comportamento, memorização ativa, pensamento abstrato e o planejamento das ações. Dessa forma, é possível afirmar se tratar de questões de interesse da área psicomotora, sendo que, algumas dessas funções se relacionam diretamente com a praxia humana como uma função psíquica superiora.
Neste sentido, Fonseca (2008) faz uma analogia ao pensamento de Vygotsky, segundo o qual a cultura passa a incorporar a natureza dos indivíduos e, salientando o pensamento de que as funções psíquicas são de origem sociocultural e que emergem de funções psicológicas elementares de origem biológica. A analogia é de que a psicomotricidade, portanto seria de origem sociocultural que emerge da motricidade que por sua vez é biológica. Aprofundando-se nesta questão o autor aponta:


As funções psicológicas superiores, logo as que encerram a noção de psicomotricidade, surgem da interação de fatores motores, que são parte da matriz biológica da espécie humana, com os fatores psíquicos, que evoluíram ao longo de um prolongado processo histórico e social. (FONSECA, 2008, p.378).

Mello (2004) ao explicitar sobre a questão do desenvolvimento da inteligência para Vygotsky, afirma que é o resultado da aprendizagem e que características inatas do sujeito são condições indispensáveis para seu desenvolvimento, mas que não são suficientes por não terem força motora em relação ao desenvolvimento. É possível constatar, portanto, a importância da questão motora no desenvolvimento, e que é uma função psíquica superiora à medida que a força motora possibilita ao indivíduo a interação com o meio, que por sua vez não só interage de uma forma motora, mas cognitiva e afetiva.
Outro tópico que Fonseca (2008, p. 377) relaciona com a psicomotridade é a questão do trabalho. “O trabalho é considerado como sendo uma atividade motora superior exclusiva da espécie, é entendido como uma função psicológica superior, um modo de funcionamento mental tipicamente humano.” Quer dizer com isso que ele é rodeado por funções mentais complexas antes de transformar-se como ação motora.
Nada mais brilhante do que essa passagem de Fonseca (2008, p. 378) para sintetizar a questão da psicomotricidade na obra de Vygotsky:


O trabalho na ótica vygotskyana, é portanto, um paradigma psicomotor crucial, na medida em que perspectiva o ser humano como um corpo e uma mente, como ser biológico e ser social, como membro da espécie humana e ator do processo histórico e cultural. A relação indivíduo-natureza ou indivíduo-sociedade, na qual, para mim, se inscreve a noção de psicomotricidade, não é inata, nem se pode conceber como o resultado de uma oportunidade ou pressão ecológica, isto é, não se dá por acaso. Ambas as relações acima equacionadas emergem da interação dialética do ser humano com o seu ambiente.

Constatamos, assim, que a obra de Vygotsky envolve o cerne da psicomotricidade, pois se o sujeito precisa da interação com o meio para se desenvolver, é fato que os aspectos psicomotores estão incrustados nessa relação dialética entre indivíduo e meio.



REFERÊNCIAS:

FONSECA, Vitor da. Aprender a Aprender: A Educabilidade Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 1998.

______. Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008.

SOUZA, Rose Keila Melo de e COSTA, Keyla Soares da. O Aspecto Sócio-Afetivo no Processo ensino-aprendizagem na Visão de Piaget, Vygotsky e Wallon. Pará, 2004. Disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=299:o-aspecto-socio-afetivo-no-processo-ensino-aprendizagem-na-visao-de-piaget-vygotsky-e-wallon&catid=4:educacao&Itemid=15. Acesso em: 25 set 2009.

MELLO, Amaral. A Escola de Vygotsky. In: Introdução a Psicologia da Educação: seis abordagens. Kester Carrara (Org). São Paulo: Avercamp, 2004.

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